Textos

Janeiro Branco – CID 10: F60-31 + F31.6.

(Nota: CID 10 refere-se ao Catálogo Internacional de Doenças, uma espécie de “lista” que determina e classifica doenças. Essa classificação é aceita por diversos países e é determinante na hora de definir o que acomete o sujeito, pois inclui lista de sintomas de cada doença.)

31/01/2020 – 5h30. Se eu não escrever isso hoje, não escrevo nunca mais.

Hoje é o último dia de Janeiro, o mês que a internet brincou dizendo que não acaba nunca (pois o salário já acabou há tempos). Hoje também acaba o “Janeiro Branco“, uma campanha nacional pela conscientização de cuidados com saúde mental.
Desde 2017 eu ensaio publicar um texto ou episódio sobre isso, mas nunca publico nada. Esse ano estou publicando por diversos motivos. Um deles é que ontem foi um dia bem complicado pra mim e eu tive apoio para chegar ao final dele.
Esse texto é mais um desabafo que um alerta, mas vocês irão entender melhor lá na frente.

Eu sempre achei que tivesse algo de errado comigo, mas só fui começar a entender de verdade quando cursava Psicologia. É muito estranho estudar uma psicopatologia e se ver descrita nela. Mesmo assim eu não dei muita importância na época e não procurei ajuda especializada. É aquele velho ditado: “casa de ferreiro, espeto de pau”. Alguns meses depois de ter feito a disciplina que me fez atentar para isso, eu larguei o curso, no meio de uma fase muito, muito ruim.
E mesmo assim eu não procurei ajuda.

Ao longo do anos, fui tendo essas “fases ruins” e algumas “fases boas”. Infelizmente as “fases ruins” acabaram marcando mais que as “fases boas” e, na maioria delas, eu abandonava projetos, cursos, idéias, relacionamentos, uma série de coisas. Mas isso nunca me pareceu realmente importante… Até 2017.

Em 2017 eu vivi a pior a fase da minha vida, mas também foi a fase em que mais mudanças ocorreram e muitas delas foram boas. Como é possível que eu possa viver essas coisas tão diferentes entre si em tão pouco tempo, ou até mesmo simultaneamente? Bem, eu tenho um problema relacionado a intensidade.
Tudo é muito intenso para mim: sejam as coisas boas ou ruins.

Em 2017 eu decidi procurar ajuda especializada. Fui até a Clínica de Psicologia da UFPA e passei por alguns atendimentos. Infelizmente a fila de espera para conseguir psicoterapia era de DOIS ANOS. Isso, para um paciente grave, é a diferença entre a vida e a morte… Literalmente.
Consegui um encaminhamento para um outro serviço da UFPA (que eu ainda estava cursando) e, em poucas semanas, comecei a fazer tratamento (remédios + psicoterapia).
E eu melhorei, melhorei bastante na verdade! Aprendi alguns mecanismos e desenvolvi técnicas para suportar as piores fases. Obviamente os remédios me ajudavam, mas chegou um momento que ficou impossível continuar com eles. Para mim, não era vida tomar um remédio pra acordar e um remédio para dormir (também tem o fato que ~algumas vezes~ eu abusei deles tomando grandes quantidades, tentando preencher o vazio que eu tinha dentro de mim).
Algumas vezes tentei largar os remédios e tive um “efeito rebote”, onde tudo acabava voltando, mas numa proporção gigantesca.
Até que eu me mudei.

Em 2019, 9 meses atrás, eu me mudei de cidade (até escrevi sobre isso aqui) e, como relatado no texto, abandonei meu tratamento. Passei por uns meses bons, uns meses ruins e aí estabilizei.
Mas o que eu tenho é crônico, cíclico e não tem cura; o máximo que posso fazer é tratar.
E, claro, voltou.

Em Novembro eu procurei o serviço da UFPA que eu usava (o SAPS – Serviço de Atendimento Psico-Social, exclusivo para alunos e servidores). Eu estava bem, mas com plena consciência de que, a qualquer momento, poderia ficar mal de novo. Transtorno mental é isso aí: todo dia é uma batalha.
Consegui passar pela triagem com assistente social em Dezembro e minha consulta com psiquiatra foi ontem.
Só que eu a perdi.
Tentei remarcar e, bem, só tinha vaga para 27/02.
Como falei antes, a demora nesse tipo de tratamento é, literalmente, a diferença entre a vida e a morte.
Desisti.

Ontem decidi que não voltaria a fazer tratamento, não aguento mais tomar remédios! Apesar de saber que eles são importantes nas fases agudas, todo o transtorno que é pra conseguir vaga (a espera é de meses), a dificuldade que é para ser atendida (não apenas a fila de espera é grande como os horários são absurdos, típico de serviço público, onde é necessário chegar bem antes do médico começar a atender) e o desgaste gerado na manutenção do tratamento, me cansam, me fazem querer desistir de tudo.
E foi essa decisão que tomei antes: desisti de voltar de vez.
Mas isso teve um peso em mim e, ironicamente, desabei.

Um ano fazendo psicoterapia e lendo muito sobre os transtornos que tenho (os códigos deles estão no título: F60-31: Borderline e F31-6: Bipolar) me fizeram entender mais ou menos as coisas que acontecem comigo. Emoções e sentimentos descontrolados, montanha russa emocional, desistência em série de projetos pessoais… Tudo isso e muito mais, num catálogo de doenças bem perto de você.
Mas esse tipo de coisas coloca a vida em outra perspectiva.
Eu não sou só transtornos. Eu sou eu.
E eu vou lidar com isso como lidei a maior parte da vida: chorando de desespero no banheiro sozinha.

Como falei alguns parágrafos atrás, ontem eu tive apoio para chegar ao final do dia. Nem sempre eu vou ter esse apoio, então preciso aprender a contar comigo mesma em 100% das vezes.
E no fim das contas, eu só preciso viver um dia de cada vez.
Acho que cheguei num ponto da vida que finalmente entendi que as fases ruins passam, só preciso sobreviver a elas.
É isso aí: SOBREVIVER.
Depois das fases ruins sempre vêm as fases boas, afinal, sou bipolar.

O que estou fazendo é perigoso e tenho plena consciência disso. Assumir todo o peso para si não é a melhor das opções. Aliás, parando para pensar, é a PIOR das opções. Não façam isso em casa.
Se tu, leitor, precisas de ajuda, eu recomendo fortemente que procures ajuda especializada. Eu fiz isso e fiquei bem (depois fiquei mal, fiquei bem de novo, fiquei mal, etc…). Eu torço para que as coisas na tua cidade sejam mais fáceis que na minha. ✌

A todos que me apoiaram, só posso agradecer. Espero continuar contando com o apoio de vocês daqui pra frente.

Eu não desisti do PudimCast e, como escrevi anteriormente, às vezes ele atrasa quando não estou bem. Mas ele volta antes do Carnaval (espero!).
Espero que vocês não desistam dele também.

XOXO.
Cintia.

 

 

Cintia Pudim

Blogueira | Podcaster | Cafeinólatra | Social Media